quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Entrevista Exclusiva com o Professor Marcos Reigota
REALIZADA EM: 14 / 02 / 2012Professor Marcos Reigota |
As
questões que envolvem a Educação Ambiental nunca foram tão discutidas – grandes
empresas, planos de governo, projetos escolares; todos querem uma carona no
bonde da sustentabilidade. No entanto, até que ponto esses debates tem se
transformado em ações?
Para
responder a essa e a outras questões, o HistoriaNews.Org
(HN)
tem a nobre missão de entrevistar e fazer ouvir a um dos mais respeitados
pesquisadores brasileiros sobre o tema.
AUTOBIOGRAFIA: Nasci em
Promissão no interior de São Paulo e na adolescência morei em Tupã. Cheguei a
São Paulo em 1976, com 19 anos (o disco “Alucinação” do Belchior traduz tudo o
que eu pensava e sentia naquela época). Depois de estudar, trabalhar e militar
no movimento estudantil e ecológico em São Paulo recebi uma bolsa de estudos e
fui, em 1985, para a Bélgica fazer o doutorado na Universidade Católica de
Louvain. Desde 1998 sou professor do Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade de Sorocaba. Depois de muitas tentativas, em 2008 fui aprovado
como pesquisador de produtividade cientifica pelo CNPq, na categoria 2 .
TEMA – Educação Ambiental: Sociedade Contemporânea, Escola e
Sustentabilidade.
ALGUMAS OBRAS:
Ecologia, Elites e Intelligentsia na América Latina;
A Floresta e a Escola: Por uma Educação Ambiental Pós-Moderna;
O Que é Educação Ambiental;
Meio Ambiente e Representação Social;
Trajetórias e narrativas através da educação ambiental.
Verde Cotidiano: O meio ambiente em discussão.
Educação ambiental: Utopia e práxis (com Barbeara Heliodora Soares do Prado)
Ecologistas.
Iugoslávia: registros de uma barbaria anunciada.
ALGUMAS OBRAS:
Ecologia, Elites e Intelligentsia na América Latina;
A Floresta e a Escola: Por uma Educação Ambiental Pós-Moderna;
O Que é Educação Ambiental;
Meio Ambiente e Representação Social;
Trajetórias e narrativas através da educação ambiental.
Verde Cotidiano: O meio ambiente em discussão.
Educação ambiental: Utopia e práxis (com Barbeara Heliodora Soares do Prado)
Ecologistas.
Iugoslávia: registros de uma barbaria anunciada.
“Publiquei inúmeros artigos e capítulos de livros no
Brasil e no exterior e você pode verificar isso no meu Plataforma Lattes no
site do CNPq.”
ENTREVISTA
HN Pergunta: Professor
Marcos Reigota, em seu livro Ecologia,
elites e intelligentsia na América Latina você sugere que a formação do
pleno cidadão é o caminho para o soerguimento de um novo modelo de desenvolvimento.
Sendo assim, qual seria o papel da escola nesse processo?
Marcos Reigota: Fico feliz em você se referir a esse livro que é um
dos menos comentados e que creio, tem sua importância, pois é resultado de
minha pesquisa de pós-doutorado realizado em 1993 na Universidade de Genebra e
no qual analiso como que a elite universitária da América Latina ‘lida’ com a
temática ambiental, após a conferência Rio 92. Nas duas décadas seguintes à ECO-92,
muita coisa mudou, de forma positiva, no que se refere à formação dos
profissionais nas universidades latino-americanas. No entanto há muito a se
fazer. É evidente que nenhum pais se desenvolveu (e penso desenvolvimento como
desenvolvimento humano e social muito mais que desenvolvimento econômico) sem
educação escolar, pública, de qualidade, de pertinência, com sentido e
significado. Infelizmente no Brasil a educação escolar pública é um discurso
ideológico e partidário, um “serviço” voltado às camadas mais pobres da
população, portanto sem muito ou nenhum interesse por parte dos governos
(Quantos deputados, governadores, ministros, intelectuais de esquerda
matriculam seus filhos nas escolas públicas? Quantos deles têm os seus filhos
estudando nas mais conceituadas universidades públicas?). Quando você me
pergunta sobre a escola, penso que não existe “um” modelo de escola, mas sim
vários. Se penso nas escolas que visitei, por exemplo, no interior do Amapá
(nas comunidades do Carvão e do Pacuí) direi que certamente elas tem dado uma
grande contribuição. Se penso ainda nos professores e professoras que encontro
pelo Brasil afora, também poderei dizer que certamente muita coisa positiva
está ocorrendo. Geralmente os professores e professoras que me procuram estão
engajados nas mudanças sociais e têm claro a dimensão política de sua atividade
pedagógica. Quando penso nas escolas particulares das grandes cidades que
cobram verdadeiras fortunas e que preparam seus alunos para entrarem nas
principais universidades públicas do país, diria que não. Ou seja, que essas
escolas particulares e sua cumplicidade com as mais renomadas universidades
públicas (e vice-versa), muito antes do apogeu do neoliberalismo, aderiram aos
rankings, à lei do mais forte e coisas assim, como se tudo isso fosse natural e
não a expressão visível e cotidiana de um sistema político e educacional
injusto, nefasto e anacrônico que precisa ser combatido.
HN Pergunta: Nos moldes atuais, a
escola brasileira tem contribuído para a formação de cidadãos conscientes?
Marcos Reigota: Vou responder a essa questão com um exemplo de uma
cena que observei esses dias na Avenida Paulista, quando calouros de uma das
mais disputadas faculdades públicas de São Paulo pediam dinheiro às pessoas
para fazerem a festa por terem sido aprovados no vestibular. Eles diziam “não
somos marginais, estamos pedindo uma pequena colaboração para nossa festa. Não
somos ladrões. Somos estudantes”. Não muito distante dali, jovens viciados em
crack estavam deitados, sonolentos, sem ter o que comer. Ora, por que a
população, alegremente, dá dinheiro a esses jovens para que eles possam fazer a
festa e parece se recusar a ver os jovens viciados deitados na calçada? Por que
os jovens que foram aprovados (com seus méritos e privilégios de classe) e que
não precisam pedir dinheiro à população para fazer a festa, não se engajam,
nesse momento, em atividades de solidariedade com os marginalizados? Por que os
jovens aprovados no concorrido vestibular reproduzem no espaço público, os
discursos mais conservadores relacionados com a violência e agressões e ganham
a simpatia da população? Onde esses “meninos” estudaram? Onde irão estudar? Que
poder terão de manter a ordem social da qual se beneficiam ou de mudá-la
completamente?
HN Pergunta: Numa sociedade onde existem homens famintos (de alimento, saúde, emprego, moradia) dá para
acreditar no fomento da consciência ambiental e na formação de um cidadão
consciente? Nessas condições, qual seria o papel do Estado?
Marcos Reigota: Já há algum tempo sabemos que a problemática
ambiental e ecológica é um problema político, cultural, econômico e social. No
entanto ainda encontramos profissionais e lideranças políticas (inclusive com
trajetória de esquerda) que consideram tudo isso supérfluo, secundário. No
nosso caso, basta ver os impactos sociais e políticos relacionados à Usina Belo
Monte, com o Código Florestal, com a transposição do Rio São Francisco, com os
transgênicos, com a construção de usinas nucleares, com o desmatamento da
Amazônia, etc. para observarmos que tudo isso está relacionado com o modelo
político econômico e educacional que no Brasil atravessa décadas. Modelo esse
que prioriza uma minúscula parcela da população brasileira (“As mulheres
ricas”, os “bonzinhos” milionários cariocas, os artistas e brothers globais, etc.),
estimula outra parcela (a chamada classe C) a consumir bugigangas “Made in
China” e deixa as pessoas sem nenhuma ou pouca escolaridade na vala comum do
salve-se quem puder. O papel do Estado, na construção de uma sociedade justa,
na perspectiva ecologista com a qual trabalho, é o de garantir principalmente
às camadas mais pobres da população, seus direitos constitucionais, de educação,
saúde, saneamento básico, transporte, cultura, etc. Por outro lado, o Estado
deveria romper com os monopólios, com as oligarquias e taxar devidamente as
fortunas licitas, as transações financeiras inescrupulosas e confiscar as
fortunas ilícitas. Numa sociedade como a nossa, em que os bancos lucram como
nunca lucraram antes, e um deles faz publicidade afirmando tratar-se de um
banco “sustentável’, alguma coisa está errada. Isso exemplifica os usos e
abusos que poderosos grupos econômicos e políticos fazem de um ideário como o
da sustentabilidade, que levou décadas para conquistar legitimidade pública,
minando sua dimensão política e transformadora.
HN Pergunta: Numa escala de 1 a 10, em
que nível está a escola brasileira com relação à Educação Ambiental (EA) e a
construção de uma sociedade autossustentável?
Marcos Reigota: Novamente diria que não é possível generalizar,
avaliar, um processo que é múltiplo e diferenciado. Encontro projetos de
educação ambiental excelentes e pouco conhecidos e, outros que são muito
conhecidos, com patrocínios (inclusive governamentais) de todo tipo e muito
ruins. No entanto o movimento da educação ambiental no Brasil é muito importante,
no qual se encontra de tudo um pouco. O impacto social e ambiental que esse
movimento tem é grande, embora fique aquém das expectativas que a complexidade ambiental
envolve, no Brasil e no mundo. Reafirmo que só poderemos pensar em uma sociedade
justa e sustentável se a educação, como um direito da população, for uma das
prioridades. Como estamos longe de termos a educação como prioridade e direito
da população, não podemos nos calar ou acatar passivamente decisões
governamentais, quando não concordamos com elas.
HN Pergunta: É possível aliar
desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e preservação ambiental?
Marcos Reigota: O atual ufanismo em relação ao desenvolvimento
econômico brasileiro não se justifica quando observamos os dados do último
Censo, ou ainda os índices de desenvolvimento social e humano da ONU. A
preservação ambiental é um componente do desenvolvimento social, cultural,
político e econômico de uma nação que se quer moderna (em tempos
pós-modernos). O Brasil teria condições
de mostrar que a relação entre desenvolvimento econômico, social e ambiental
não é só possível como necessário, se grande parte da elite econômica, política
e cultural do país não fosse tão conservadora, acomodada e feliz consigo mesma.
Por outro lado, as forças políticas hegemônicas no Brasil atual, não estão
interessadas nem envolvidas nessa perspectiva, pois defendem de forma
ostensiva, ultrapassados modelos de desenvolvimento.
HN Pergunta: Professor, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) concebem a Educação Ambiental como tema
transversal, ou seja, não compõe a base curricular como disciplina
básica/obrigatória. Você concorda com a legislação de ensino brasileira neste
ponto? Por quê?
Marcos Reigota: Os PCNs foram acatados por grande parte dos meus
colegas e recusados por outros. Eu faço parte dos críticos dos PCNs e por
muitos motivos. Os PCNs têm um componente político que precisa ser melhor
conhecido, que, em linhas gerais, é o
estabelecimento de um dispositivo único para enfrentar e controlar a diversidade. Esse dispositivo vem
embalado com discursos sedutores que são repetidos insistentemente, como é o
caso, por exemplo, da transversalidade. Ora, se a transversalidade (como foi
pensada por Félix Guattari) efetivamente por aplicada, o sistema escolar (como
o conhecemos e como o MEC e as Secretarias de Educação insistem em manter) vem
abaixo e eu não creio que seja essa a intenção de quem elaborou e difundiu os
PCNs no Brasil. Nesse sentido e pela trajetória que tenho só posso estar em
posição contrária a todo e qualquer dispositivo de controle da diversidade,
ainda mais quando esse dispositivo vem dos aparelhos ideológicos do Estado.
Agora vamos nos concentrar nos motivos pedagógicos específicos. A temática
ambiental, pela sua complexidade e presença no nosso cotidiano, é entendida das
mais diversas maneiras e possibilita intervenções pedagógicas diversas. A
educação ambiental como disciplina foi recusada em vários momentos e sempre
esse discurso volta e cada vez chega mais conservador, normativo e controlador.
É um discurso (o que reivindica a educação ambiental como disciplina), com
grande aceitação social, mas defasado dos desafios do tempo presente. Esse
discurso reflete uma imagem do passado do que foi a escola e as disciplinas que
a compuseram. Tenho afirmado que a educação ambiental é uma filosofia da
educação, ou seja, um pensamento sobre a educação e que se quer política. A temática
ambiental, qualquer que seja ela num processo pedagógico, tem que ter
pertinência, sentido e significado social e cultural para as pessoas, inclusive
para os professores. Não é possível falar de meio ambiente (e meio ambiente não
é só natureza), sem antes discutirmos o que entendemos por isso, quais são as
relações do meio ambiente com nossa vida cotidiana e quais são as
possibilidades políticas, sociais e pessoais que temos para interferir nesse
processo. Qualquer disciplina escolar, incluindo artes e educação física, pode
fazer isso.
HN Pergunta: Na introdução dessa
entrevista lê-se uma questão importante: Os debates acerca da Educação
Ambiental presentes nas diferentes mídias da informação, nas escolas, nas
bancadas do legislativo e nas grandes conferências mundiais tem se transformado
em ações?
Marcos Reigota: Sim e geralmente obedecem e seguem os discursos de
impacto do momento e, nesse sentido, essas ações duram o tempo que esses
discursos de impacto duram (geralmente muito pouco tempo). O que interessa mais
é observar como as preocupações, interesses e conversas cotidianas entre
professores, alunos, pais e funcionários da escola se transformam efetivamente
em ações pedagógicas e políticas de intervenção cidadã. Para isso é fundamental
que as práticas pedagógicas ganhem o espaço público para além dos limites de
sua própria escola ou da comunidade em que esta escola está inserida. Ou seja:
um professor no Amapá pode conversar com seu colega do Rio Grande do Sul. Um
professor do sertão da Bahia pode conversar com seu colega de São Paulo, etc.
Como podemos fazer isso, sem a interferência do Estado (e suas “conferências
nacionais”) ou do sensacionalismo e padronização das “reportagens” dos jornais
televisivos? Creio que as redes sociais poderão ser de grande valia para que
cada um de nós possa conhecer o que o outro, nosso colega, faz em espaços e
condições sociais, culturais e ecológicas completamente diferentes, mas com a
mesma preocupação de intervenção e participação na sociedade em que se vive.
HN Pergunta: Professor, baseado em
alguns de seus trabalhos recentes de pesquisa, quais seriam os principais
problemas que envolvem a questão ambiental e o que fazer diante deles?
Marcos Reigota: Sem dúvida os temas que carecem de mais pesquisas
são os relacionados com os grandes projetos desenvolvimentistas como os já
citados. As pesquisas que oriento na iniciação científica, mestrado e doutorado
estão relacionadas às dificuldades e possibilidades de se pensar e praticar a
educação ambiental como educação política, de intervenção cidadã, no cotidiano
escolar. Como pesquisador, procuro contribuir com o meu trabalho para ampliar
as possibilidades da educação ambiental. Conclui recentemente uma pesquisa,
financiada pelo CNPq, sobre os discursos contemporâneos sobre a natureza e suas
relações com a educação ambiental, envolvendo os transgênicos e a
biodiversidade (os interessados encontrarão artigo de minha autoria sobre isso no site Scielo).
No momento estou fazendo duas pesquisas, ambas financiadas pelo CNPq. Uma
delas, mais empírica, é sobre a paisagem sonora no cotidiano escolar de escolas
de Sorocaba e Botucatu e a outra, mais conceitual, é sobre a devastação
ecológica e o cotidiano escolar na obra do escritor Milton Hatoum.
Professor Marcos Reigota, gostaria de agradecer à sua presteza em nos atender e, principalmente, às contribuições dadas por
seus trabalhos na compreensão das questões que se desenvolvem junto à Educação
Ambiental.
"Obrigado você pela
oportunidade. Espero ter respondido suas questões. Um abraço e bom trabalho."
Professor
Marcos Reigota
Edição: Julio Neto Alves
Equipe HistoriaNews.Org